O Grande Massacre dos Gatos
Robert
Darnton
Breve
Análise do Autor
O autor em questão saiu de uma linha
da história da intelectualidade e partido para uma “história das mentalidades”.
Ele compreender que para se compreender as ações das pessoas de outros momentos
históricos é preciso compreender como se dava a mentalidade da época. Não
bastava descrever o que as pessoas pensavam, mas analisar como pensavam, e como
interpretavam as emoções e fenômenos da realidade. A construção desta
perspectiva permite entender sua ‘visão de mundo’, e a constatação de
realidades multifacetadas, diversificadas e muitas vezes surpreendentes.
“Enquanto o historiador das
idéias esboça a filiação do pensamento formal, de um filósofo para outro, o
historiador etnográfico estuda a maneira como as pessoas comuns entendiam o
mundo. Tenta descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam a realidade em
suas mentes e a expressavam em seu comportamento. Não tenta transformar em
filósofo o homem comum, mas ver como a vida comum exigia uma estratégia.
Operando ao nível corriqueiro, as pessoas comuns aprendem a “se virar” – e
podem ser tão inteligentes, à sua maneira, quanto os filósofos”[1]
Com narrativas de eventos que
parecem ser insignificantes, o autor consegue apresentar questões de extrema
importância para compreensão da realidade de uma época.
Além disso, o autor trabalha com a micro
história, onde faz um recorte de um pequeno momento, ou de um indivíduo, de uma
pequena cidade, e a partir da narrativa de pequenos fatos consegue ligar a
história vista de forma mais geral. Mostrando como determinados fenômenos
surtem influência nessas micro histórias ou como essa influencia a maior.
Essa forma de narrar a parir de
pequenos eventos constitui uma revolução para a historiografia, tendo em vista
que elas contribuem para entender diversos fenômenos que se encontram presentes
na realidade.
Outra questão importante, é a
influência do Baktin nessa forma de narrar do Darnton, tendo em vista que nesse
livro os personagens são populares, tudo é narrado de acordo com o mundo dos
operários de gráfica, e as concepções da cultura popular.
Penso que esses três elementos, a
história das mentalidades, o micro história e a história vista por baixo são
perfeitamente contemplando na obra em questão. Isso demonstra o quão importante
foi esse autor para o desenvolvimento da historiografia.
Mas um elemento inovador nesse autor
é o “indicialismo” visto por Claudio Marcio Coelho da UFES, que argumenta que
ele vê a necessidade de procurar-se os indícios para se compreender as
mentalidades e fenômenos sociais:
“Mas isto não é tudo. Outro
‘indício’ importante pode ser identificado. Este episódio, a primeira vista,
sem importância para reconstrução histórica da sociedade européia do século
XVIII pode revelar ‘pistas’ ou ‘sinais’ bastante significativos para a análise
social”[2]
Análise
da Obra
A
obra conta a história de um grupo de operários de uma gráfica, no século XVIII.
Esse momento é marcado por existir uma separação entre a classe dos operários e
dos patrões, antes mestres e aprendizes convivem no trabalho e tinham bastante
em comum uns com os outros. Nessa gráfica já não mais existia essa relação
antiga, e a vida do trabalhador acabava piorando tendo em vista que o patrão já
não mais conhecia os problemas que se davam no local de trabalho.
Esses
trabalhadores viviam em condições precárias, recebiam uma alimentação de má
qualidade, e que ainda era trocada pelo cozinheiro por comida de gato, fazia
isso para poder vender a alimentação deixada pelo patrão e assim ganhar mais
dinheiro. Essa é a primeira relação conflituosa dos operários com os gatos.
Para
piorar a situação, na hora de dormir, os gatos ficavam miando a noite toda,
impedindo que os trabalhadores conseguissem dormir. No dia seguinte tinham que
trabalhar exaustos, o que fazia com que a qualidade de seu trabalho caísse. Não
era só o barulho dos gatos, mas o próprio ambiente não era agradável:
“Dormiam num quarto sujo e
gelado, levantavam-se antes do amanhecer, saíam para executar tarefas o dia
inteiro, tentando furtar-se aos insultos dos oficiais (assalariados) e aos
maus-tratos do patrão (mestre), e nada recebiam para comer, a não ser as
sobras. Achavam a comida especialmente mortificante. Em vez de jantar à mesa do
patrão, tinham de comer os restos de seu prato na cozinha. Pior ainda, o
cozinheiro vendia, secretamente, as sobras, e dava aos rapazes comida de gato –
velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar e, então, passavam para
os gatos, que os recusavam [...] Uma paixão pelos gatos parecia ter tomado
conta das gráficas, pelo menos entre os patrões, ou burgueses, como os chamavam
os operários. Um certo burgês tinha vinte e cinco gatos. Mandou pintar seus
retratos e os alimentava com aves assadas. Por outro lado, os aprendizes tinham
que aturar uma profusão de gatos de rua, e eles também proliferavam no distrito
das gráficas, infernizando a vida dos rapazes. Uivavam a noite toda, no telhado
do sujo quarto de dormir dos aprendizes, impossibilitando uma noite tranqüila
de sono [...] eles começavam o dia num estado de exaustão, enquanto o burguês
dormia até tarde”[3]
Na
França os burgueses adquiriram um costume de ter vários gatos, o autor conta
que as fábricas eram lotadas de gatos, como os patrões não viviam nesses locais
não sabia dos efeitos na vida dos trabalhadores. O autor não deixa muito claro
o motivo dessa atração por gatos, talvez tenha relação com doenças ligadas ao
rato. A descrição feita a cima foi baseada no relato num dos trabalhadores da
gráfica de nome Nicolas Contat.
Certa
noite alguns dos operários decidiram agir para dar fim a esse sofrimento. Rastejaram
Até próximo da janela do quarto dos patrões e começaram a miar, ficaram fazendo
isso a noite toda. O burguês e sua mulher não conseguiram dormir, fizeram isso
por dias seguidos. Os patrões começaram a acreditar que estavam sofrendo uma
maldição e resolver pedir que os trabalhadores matassem os gatos. A mulher do
burguês, porém, temia a vida da sua gata a “la grise”, e pediu que tivessem
cuidado para não matá-la. Os trabalhadores afirmaram que não iriam matar a
gata, mas foi justamente a primeira que decidiram matar. O relato foi que eles
quebraram a espinha da gata com uma porrada, mataram os demais gatos e fizeram
o julgamento dos gatos no final, amarrando-os depois em uma forca.
O
autor conta que repetiram o ritual do assassinato dos gatos diversas vezes, sempre
pegavam um momento para teatralizar o acontecimento. E faziam isso com muita
alegria.
O
autor se questiona o porquê de tanta alegria em matar gatos. Ele argumenta que
a falta de compreensão nesse ato significa que não entendemos as mentalidades
da época.
Na
verdade os gatos assassinados representaram um ataque aos patrões que não se
importavam com as condições de vida dos trabalhadores. Matar os gatos era como
atingir os patrões, e vemos isso bem explícito quando matam com tanta raiva a
gata da patroa.
Conta
ainda que isso pode significar o desejo de resgatar um passado onde os patrões
e trabalhadores conviviam de maneira mais amigável.
O
ato de matança dos gatos também remeta a traços da cultura popular que foram
abordados por XVII (Dom Quixote, na Espanha), e do final do século XIX
(Germinal, na França), e no brilhante estudo de Mikhail Bakhtin sobre A cultura
popular na idade média e o renascimento: o contexto de François Rabelais. Onde
os gatos estavam ligados a feitiçaria, se acreditava que as bruxas podiam virar
gatos à noite, e que se jogasse pedra no gato ferindo-o, no dia seguinte, se
aparecesse alguma mulher mancando, então era a bruxa transformada em gato do na
noite passada. Outra relação era com a sexualidade feminina que possuíam os
gatos.
Toda
a relação de classe foi exposta nesse pequeno relato, elementos da mentalidade
popular, os costumes, as condições de vida da época, etc., O massacre dos gatos
teria sido uma vingança um momento de prazer que poderia ser repetido no imaginário
dos trabalhadores através da repetição das copies.
“[...] parece claro que os
operários acharam o massacre engraçado, porque lhes proporcionou uma maneira de
virar a mesa contra o burguês [...] A piada funcionou muito bem porque os
operários jogaram, muito habilmente, com um repertório de cerimônias e
símbolos. Os gatos adequavam-se perfeitamente a seus objetivos. Quebrando a
espinha de la grise, chamavam a mulher do patrão de feiticeira e de prostituta
e, ao mesmo tempo, transformaram o patrão em corno e tolo. Era um insulto
metonímico, feito através de ações, não de palavras, e atingiu seu objetivo
porque os gatos ocupavam um lugar de privilegiado no estilo de vida burguês
[...] Transformaram uma caçada aos gatos em caça as bruxas, festival, chavari,
julgamento simulado e piada de mau gosto. Depois, refizeram tudo em pantomima.
Sempre que se cansavam de trabalhar, transformavam a oficina num teatro e
produziam copies [...] Os operários levaram seu gracejo à beira da reificação,
do ponto em que a matança de gatos se transformaria numa rebelião aberta.
Jogaram com ambigüidades, usando símbolos que esconderiam seu pleno desejo
significado mas, ao mesmo tempo, deixando entrevê-lo o suficiente para fazer de
tolo o burguês, sem lhe dar um pretexto para demiti-los [...] Realizar uma
façanha dessas exigiu grande destreza. Mostrou que os operários podiam
manipular os símbolos, em sua linguagem própria, com a mesma eficácia que os
poetas, estes em letra impressa”[4]
Em fim a obra contribui de maneira
significativa para a compreensão da época e enriquece a capacidade de reflexão
sobre as mentalidades.
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