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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Uma visão sobre a obra de Darnton e sua contribuição para a historiografia




O Grande Massacre dos Gatos
Robert Darnton

Breve Análise do Autor

            O autor em questão saiu de uma linha da história da intelectualidade e partido para uma “história das mentalidades”. Ele compreender que para se compreender as ações das pessoas de outros momentos históricos é preciso compreender como se dava a mentalidade da época. Não bastava descrever o que as pessoas pensavam, mas analisar como pensavam, e como interpretavam as emoções e fenômenos da realidade. A construção desta perspectiva permite entender sua ‘visão de mundo’, e a constatação de realidades multifacetadas, diversificadas e muitas vezes surpreendentes. 
“Enquanto o historiador das idéias esboça a filiação do pensamento formal, de um filósofo para outro, o historiador etnográfico estuda a maneira como as pessoas comuns entendiam o mundo. Tenta descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam a realidade em suas mentes e a expressavam em seu comportamento. Não tenta transformar em filósofo o homem comum, mas ver como a vida comum exigia uma estratégia. Operando ao nível corriqueiro, as pessoas comuns aprendem a “se virar” – e podem ser tão inteligentes, à sua maneira, quanto os filósofos”[1]
            Com narrativas de eventos que parecem ser insignificantes, o autor consegue apresentar questões de extrema importância para compreensão da realidade de uma época.
            Além disso, o autor trabalha com a micro história, onde faz um recorte de um pequeno momento, ou de um indivíduo, de uma pequena cidade, e a partir da narrativa de pequenos fatos consegue ligar a história vista de forma mais geral. Mostrando como determinados fenômenos surtem influência nessas micro histórias ou como essa influencia a maior.
            Essa forma de narrar a parir de pequenos eventos constitui uma revolução para a historiografia, tendo em vista que elas contribuem para entender diversos fenômenos que se encontram presentes na realidade.
            Outra questão importante, é a influência do Baktin nessa forma de narrar do Darnton, tendo em vista que nesse livro os personagens são populares, tudo é narrado de acordo com o mundo dos operários de gráfica, e as concepções da cultura popular.
            Penso que esses três elementos, a história das mentalidades, o micro história e a história vista por baixo são perfeitamente contemplando na obra em questão. Isso demonstra o quão importante foi esse autor para o desenvolvimento da historiografia.
            Mas um elemento inovador nesse autor é o “indicialismo” visto por Claudio Marcio Coelho da UFES, que argumenta que ele vê a necessidade de procurar-se os indícios para se compreender as mentalidades e fenômenos sociais:
“Mas isto não é tudo. Outro ‘indício’ importante pode ser identificado. Este episódio, a primeira vista, sem importância para reconstrução histórica da sociedade européia do século XVIII pode revelar ‘pistas’ ou ‘sinais’ bastante significativos para a análise social”[2]
           


Análise da Obra
A obra conta a história de um grupo de operários de uma gráfica, no século XVIII. Esse momento é marcado por existir uma separação entre a classe dos operários e dos patrões, antes mestres e aprendizes convivem no trabalho e tinham bastante em comum uns com os outros. Nessa gráfica já não mais existia essa relação antiga, e a vida do trabalhador acabava piorando tendo em vista que o patrão já não mais conhecia os problemas que se davam no local de trabalho.
Esses trabalhadores viviam em condições precárias, recebiam uma alimentação de má qualidade, e que ainda era trocada pelo cozinheiro por comida de gato, fazia isso para poder vender a alimentação deixada pelo patrão e assim ganhar mais dinheiro. Essa é a primeira relação conflituosa dos operários com os gatos.
Para piorar a situação, na hora de dormir, os gatos ficavam miando a noite toda, impedindo que os trabalhadores conseguissem dormir. No dia seguinte tinham que trabalhar exaustos, o que fazia com que a qualidade de seu trabalho caísse. Não era só o barulho dos gatos, mas o próprio ambiente não era agradável:
“Dormiam num quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do amanhecer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando furtar-se aos insultos dos oficiais (assalariados) e aos maus-tratos do patrão (mestre), e nada recebiam para comer, a não ser as sobras. Achavam a comida especialmente mortificante. Em vez de jantar à mesa do patrão, tinham de comer os restos de seu prato na cozinha. Pior ainda, o cozinheiro vendia, secretamente, as sobras, e dava aos rapazes comida de gato – velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar e, então, passavam para os gatos, que os recusavam [...] Uma paixão pelos gatos parecia ter tomado conta das gráficas, pelo menos entre os patrões, ou burgueses, como os chamavam os operários. Um certo burgês tinha vinte e cinco gatos. Mandou pintar seus retratos e os alimentava com aves assadas. Por outro lado, os aprendizes tinham que aturar uma profusão de gatos de rua, e eles também proliferavam no distrito das gráficas, infernizando a vida dos rapazes. Uivavam a noite toda, no telhado do sujo quarto de dormir dos aprendizes, impossibilitando uma noite tranqüila de sono [...] eles começavam o dia num estado de exaustão, enquanto o burguês dormia até tarde”[3]
Na França os burgueses adquiriram um costume de ter vários gatos, o autor conta que as fábricas eram lotadas de gatos, como os patrões não viviam nesses locais não sabia dos efeitos na vida dos trabalhadores. O autor não deixa muito claro o motivo dessa atração por gatos, talvez tenha relação com doenças ligadas ao rato. A descrição feita a cima foi baseada no relato num dos trabalhadores da gráfica de nome Nicolas Contat.
Certa noite alguns dos operários decidiram agir para dar fim a esse sofrimento. Rastejaram Até próximo da janela do quarto dos patrões e começaram a miar, ficaram fazendo isso a noite toda. O burguês e sua mulher não conseguiram dormir, fizeram isso por dias seguidos. Os patrões começaram a acreditar que estavam sofrendo uma maldição e resolver pedir que os trabalhadores matassem os gatos. A mulher do burguês, porém, temia a vida da sua gata a “la grise”, e pediu que tivessem cuidado para não matá-la. Os trabalhadores afirmaram que não iriam matar a gata, mas foi justamente a primeira que decidiram matar. O relato foi que eles quebraram a espinha da gata com uma porrada, mataram os demais gatos e fizeram o julgamento dos gatos no final, amarrando-os depois em uma forca.
O autor conta que repetiram o ritual do assassinato dos gatos diversas vezes, sempre pegavam um momento para teatralizar o acontecimento. E faziam isso com muita alegria.
O autor se questiona o porquê de tanta alegria em matar gatos. Ele argumenta que a falta de compreensão nesse ato significa que não entendemos as mentalidades da época.
Na verdade os gatos assassinados representaram um ataque aos patrões que não se importavam com as condições de vida dos trabalhadores. Matar os gatos era como atingir os patrões, e vemos isso bem explícito quando matam com tanta raiva a gata da patroa.
Conta ainda que isso pode significar o desejo de resgatar um passado onde os patrões e trabalhadores conviviam de maneira mais amigável.
O ato de matança dos gatos também remeta a traços da cultura popular que foram abordados por XVII (Dom Quixote, na Espanha), e do final do século XIX (Germinal, na França), e no brilhante estudo de Mikhail Bakhtin sobre A cultura popular na idade média e o renascimento: o contexto de François Rabelais. Onde os gatos estavam ligados a feitiçaria, se acreditava que as bruxas podiam virar gatos à noite, e que se jogasse pedra no gato ferindo-o, no dia seguinte, se aparecesse alguma mulher mancando, então era a bruxa transformada em gato do na noite passada. Outra relação era com a sexualidade feminina que possuíam os gatos.
Toda a relação de classe foi exposta nesse pequeno relato, elementos da mentalidade popular, os costumes, as condições de vida da época, etc., O massacre dos gatos teria sido uma vingança um momento de prazer que poderia ser repetido no imaginário dos trabalhadores através da repetição das copies.
“[...] parece claro que os operários acharam o massacre engraçado, porque lhes proporcionou uma maneira de virar a mesa contra o burguês [...] A piada funcionou muito bem porque os operários jogaram, muito habilmente, com um repertório de cerimônias e símbolos. Os gatos adequavam-se perfeitamente a seus objetivos. Quebrando a espinha de la grise, chamavam a mulher do patrão de feiticeira e de prostituta e, ao mesmo tempo, transformaram o patrão em corno e tolo. Era um insulto metonímico, feito através de ações, não de palavras, e atingiu seu objetivo porque os gatos ocupavam um lugar de privilegiado no estilo de vida burguês [...] Transformaram uma caçada aos gatos em caça as bruxas, festival, chavari, julgamento simulado e piada de mau gosto. Depois, refizeram tudo em pantomima. Sempre que se cansavam de trabalhar, transformavam a oficina num teatro e produziam copies [...] Os operários levaram seu gracejo à beira da reificação, do ponto em que a matança de gatos se transformaria numa rebelião aberta. Jogaram com ambigüidades, usando símbolos que esconderiam seu pleno desejo significado mas, ao mesmo tempo, deixando entrevê-lo o suficiente para fazer de tolo o burguês, sem lhe dar um pretexto para demiti-los [...] Realizar uma façanha dessas exigiu grande destreza. Mostrou que os operários podiam manipular os símbolos, em sua linguagem própria, com a mesma eficácia que os poetas, estes em letra impressa”[4]
            Em fim a obra contribui de maneira significativa para a compreensão da época e enriquece a capacidade de reflexão sobre as mentalidades.




[1]  DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história francesa. – Rio de Janeiro: Graal, 1986. p. xiv.
[2]  Claudio Marcio Coelho – Núcleo de Estudos Indiciários – DCSO – CCHN-UFES, Vitória: 2006
[3]  DARNTON, op. cit., p. 103-4, nota 1.
[4] 10 Ibid., p. 134-5

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