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domingo, 11 de janeiro de 2015

Mesmos Atos, Novos Sentidos: análise de “A invenção do cotidiano, Artes de Fazer”





O lugar de nascimento de Michel de Certeau foi a cidade de Chambéry, em maio de 1925. Sua formação se deu nas áreas de filosofia, letras clássicas, história e teologia. Logo após sua formação ingressa na Companhia de Jesus e torna-se padre em 1956. Segue fiel as suas crenças religiosas, sendo jesuíta até o final da de sua vida. Tinha um interesse peculiar nos textos místicos da Renascença e da Idade Clássica. Devido a isso sua área de interesse é bastante ampla, nosso autor, se interessará tanto pela história como pela antropologia, linguística e psicanálise. A vida religiosa do autor terá grande influência nos seu trabalhos. Teve participação na Escola Freudiana de Paris, desde sua fundação, em 1964, por Jacques Lacan, até sua dissolução em 1980. Ministrou aulas na Universidade de Paris, Vincennes, entre os anos de 1968 a 1971, nos departamentos de psicanálise e história, depois na Universidade de Paris, Jussieu, nos departamentos de antropologia e ciências das religiões, onde dirigiu, de 1971 a 1978, um seminário de antropologia cultural. Entre os anos de 1978 a 1984, também ministrou aulas na Universidade da Califórnia, em San Diego. Em 1984, foi nomeado para ensinar e orientar estudos na École des Hautes Études en Sciences Sociales, onde ofereceu curso sobre o tema “Antropologia histórica das crenças – séculos XVII e XVIII”. Ele morre, em Paris, em 9 de janeiro de 1986.
Sem dúvida o autor será de grande importância para a historiografia, tendo grande contribuição para a história cultural, mas a sua influência não se limita a história, outras áreas do saber como sociologia e antropologia vão beber bastante de seus conceitos.
Certeau traz inovações na questão da alteridade, fazendo uma análise inovadora do “estranho” numa relação do “mesmo” e do “outro” “no teatro dos encontros humanos”.
Penso que os estudos de psicanálise na escola freudiana com o Lacan tenham contribuído para uma análise mais profunda das práticas cotidianas, onde o autor consegue perceber que as ações dos indivíduos não são meras reproduções e repetições dos costumes e valores dominantes, na verdade cada indivíduo dá um sentido próprio aos gestos, podendo superficialmente parecer o mesmo repetido por outros indivíduos há dez anos atrás, mas que em cada indivíduo se torna novo. Isso, na minha avaliação, é mergulhar no mundo subjetivo, nas representações tão trabalhadas por Gilles Deleuze, que foi seguidor de Lacan, tendo porém uma divergência posterior.
Uma outra influência foi a de Michel Foucault, porém há uma certa inversão da ideia deste, tendo em vista que Foucault falou de um pode “capilar”, onde os indivíduos absorviam o poder vindo das camadas mais altas, ou do Estado e instituições. Certeau, por outro lado, vai dizer que as subsunções dos indivíduos não se dão dessa forma, na verdade, os gestos estão dotados de atos de rebeldia, de luta contra os dominadores.
O autor quebrar com a ideia de uma aceitação e acomodação com a opressão. Ele demonstra que os indivíduos ditos “consumidores” na verdade se apropriam dos signos dando significados novos. Nesse processo eles rompem com a cultura transformando-a, o cotidiano constitui-se um palco de transformação da mentalidade de uma época.
A aceitação do que é imposto tem um sentido de microrresistência, essas por suas criam microliberdades (Giard). Os sujeitos fazem uso de “manobras” para poder modificar sua realidade, se por um lado aceitam, por outro estão ao mesmo tempo resistindo e lutando contra a opressão.
Essa situação dos sujeitos que vivem nesse teatro de peças cotidianas, lembra o personagem João Grilo do auto da compadecida, em uma cena ele negocia com os patrões para pode trabalhar na padaria, na qual com consegue convencer o patrão a lhe contratar com o argumento de que iriam ser quatro trabalhadores pelo preço de dois, sendo que o patrão queria o empregador queria um empregado que pelo salário de um trabalhasse por dois. Mesmo estando numa condição de submissão, o personagem consegue fazer pequenas conquistas que se dão de maneira sutil. Durante todo o filme o personagem vai fazendo esse teatro da trampolinagem e da arte de fazer.
Nesse sentido o autor vai se interessar por essa arte de fazer na produção material e imaterial dos sujeitos. Percebendo que em pequenas coisas como a confecção de roupar e de bolos existe uma arte de fazer que resulta em ruptura. Nesse sentido ele vai apresentar a necessidade de compreender a cultura e manifestações populares a partir de ponto de vista, vendo como em cada gesto existem elementos de resistência e trampolinagens. O autor afirma que as táticas não são infinitas, elas têm limites, e isso é o que vai fazer com que outros indivíduos repitam as mesmas táticas de outros para subverter a ordem. É nesse sentido que as várias formas de rupturas através das “invenções” vão constituindo uma formação cultural.
Ele observa a importância dos mitos, e neles vê essa mesma relação de poder e de resistência as imposições. É o caso de Frei Damião e seus milagres, suas ações, etc. A população consegue interpretar os acontecimentos como forma de punição dos céus aos seus opressores. A luta entre bem e mal passa a ter um significado em favor dos oprimidos, sendo estes os bons e seus opressores os maus. Os mitos estão cheios dessa concepção de luta e resistência, de “práticas de desvios”. Isso é uma ruptura com as ideias dominantes, tendo em vista que as crenças religiosas foram impostas por dominadores, e que a forma de aceitar do povo foi na verdade uma ruptura com as tradições originais.

Referências:
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano.
FOUCAULT, Michel. Microfísica o poder. 

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