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domingo, 11 de janeiro de 2015

Resenha do texto "LIBERDADE: Rotinas e Rupturas do Escravismo no Recife, 1822,1850"

ESCRAVIDÃO NO RECIFE DO SÉCULO XIX:
TECENDO A LIBERDADE NO COTIDIANO

Marcus J. M. de Carvalho dá início ao livro trazendo ao leitor as imagens vistas por Charles Darwin em 1831, quando veio ao Recife de forma acidental. Argumentando, inclusive, o quanto foi importante para este a vinda para cá no que diz respeito ao desenvolvimento da Teoria da Evolução.
 Darwin ao chegar ao Recife se deparou com um local inóspito, insalubre, onde as ruas eram de barro, lamacenta, as pessoas jogavam seus excrementos nas ruas. Consequência disso, as doenças se alastravam na província. Apesar de tudo isso, o que mais chamou a atenção do biólogo a escravidão. Para onde se olhava tinha negros trabalhando, em diversos serviços. Numa passagem do livro o autor cita um momento em que Darwin ouvi gemidos vindos de uma casa, era um escravo que estava sendo castigado pelo seu senhor. Isso o causou repugno, e o que mais lhe intrigava era o fato de nada poder fazer diante de tal situação. Essas poucas experiências vividas por ele mostra um pouco como era a cidade do Recife no século XIX, marcada pelas precárias condições de vida de seus habitantes e pela forte presença da exploração da mão de obra escrava.
Ainda na introdução, Marcus de Carvalho norteia o leitor no estudo da escravidão em seu texto, afirmando que essa área tem sido bastante explorada. Explica que a escravidão não é algo fácil de ser analisado, pois é um acontecimento recente. Uma coisa é avaliar a queda do Império Romano, onde, além do distanciamento no tempo, as questões morais e éticas foram avançadas pela humanidade; já com escravidão ou holocausto têm ocorrido discussões meta-históricas, nas quais prevalecem as opiniões políticas e morais. Decorrente disso o autor afirma que, em diversos momentos do livro, o leitor vai se depara visões de teóricos que por vezes vão de encontro um ao outro. E, argumenta, que é preciso buscar o que há de melhor em cada obra e não seguir um único pensamento como se fosse uma cartilha.
Ainda antes de iniciar o primeiro capítulo, o autor enfatiza a importância do século XIX em Pernambuco, falando sobre as diversas rebeliões que ocorreram em aqui, nesse período. O autor deixa bem claro que o província era um incômodo para o governo de Dom João e Dom Pedro I. Este último conseguindo conquistar o ódio dos Pernambucanos. Um povo, cujo o espírito de liberdade e de heroísmo agitados devido à derrota imposta aos holandeses, que se inquietava com as luxúrias da nobreza sediada no Rio de Janeiro – nova Lisboa –, em contradição com as péssimas condições de vida e dos altos tributos cobrados pela coroa, indignos ao um povo que se sentia heróis de uma nação, logo rompe com a rotina de da cidade e se levantam diversos movimentos. Em 1817, acontece a Revolução Pernambucana, tendo integrantes de diversos setores da sociedades lutavam por uma república e pelo fim dos altos impostos; em 1924, a Confederação do Equador, cujos ideais iam além da república, defendiam também o fim da escravidão; em 1848 ocorre a Revolução Praieira, influenciada pelos ideais dos socialistas utópicos Owen e Furrier, tinha um caráter liberal. Vários outros levantes ocorreram no território pernambucano como é o caso do quilombo dos Palmares.   
Já na primeira parte do livro, o autor aborda a vida dos negros no Recife. Argumentado, inclusive que eles foram agentes de sua própria história, sendo várias formas de resistência empreendidas pelos mesmos no sentido de conquistar mais liberdade. Essas estratégias vão desde as mais diretas, como é o caso de Zumbi, que organizou o quilombo junto a outros negros e enfrentaram o poder do Império pela libertação dos escravos, às mais sutis, essas se davam no dia-a-dia, e era realizada pelos negros e negras comuns, que fugiam e iam para outro senhor, outros viviam na marginalidade no centro, e alguns aprendiam um ofício para ter uma vida mais livre. É nesse último caso que o autor se debruça.
O Recife era constituído basicamente por três bairros: Bairro do Recife, Santo Antônio e Boa Vista. Para onde se olhava havia escravos, que eram empregados em diversos ofícios. Muitos senhores alugavam seus escravos, havia até as lojas onde se realizavam essas trocas. Os escravos eram alugados até para os serviços sexuais. Outros eram colocados pelos seus senhores para venderem artigos nas ruas.
A cidade tinha uma relação profunda com os rios Capibaribe e Beberibe, devido as péssimas condições das estradas o transporte das mercadorias se davam no leito desses rios. Essas mercadorias vinham dos engenhos que se localizavam ao redor do centro, esses engenhos logo se transformariam em povoações e em seguida em bairros. A medida que a cidade ganhava importância, o trafego crescia pelos rios. Em tempos de festas no “Recife antigo” os rios ficavam lotados das embarcações vindas de Olinda, Várzea, Caxangá, etc. Nas festas se dançava samba, coco, bumba-meu-boi e outras danças. Outra questão que fez com que o rio se tornasse mais utilizado pelos recifenses era a falta de água potável. Havia cacimbas na cidade mas todas elas eram salobras. No rio Capibaribe era muito difícil de conseguir água doce, por isso os canoeiros iam para a região do varadouro pelo Beberibe para pegar a água que ficava protegida do mar – esses eram um dos motivos que levavam a elite agrária a viver em Olinda em vez de Recife. Nesse contesto os dono de escravo começam a habilitar os negros a trabalharem como canoeiros. Mesmo depois que a agua do varadouro já não tinha o mesmo sabor devido a ocupação por populações ribeirinhas, a profissão de canoeiros crescia na cidade. Entretanto, a elite se via cada vez mais dependentes dos aguadeiros, que eram homes que iam aos pontos de distribuição de agua potável – com as dificuldade de conseguir água no Beberibe o governo instou ponto de água encanada – por esse motivo empregou seus negros canoeiros a pegar água nesses pontos. Logo surgi um problema, esses locais se tornam pontos de encontros de escravos que falavam sobre suas vidas diante dos senhores – em minha opinião isso contribuía para que esses negros formassem sentimentos e consciências que ajudaria na luta contra a escravidão – cantavam as músicas que eram de costumes nas senzalas. Tudo isso incomodava bastantes a elite branca local.

Essa vida dos canoeiros contribuiu significativamente para as diversas formas de resistência negra diante a escravidão. Muitos negros aproveitavam a oportunidade para fugir e com os contatos estabelecidos no ofício de canoeiro conseguiam local para se esconder. Alguns com as práticas que haviam aprendido conseguiam sobreviver de vários ofícios quando fugiam de seus senhores. Isso mostra que não foi só a resistência direta que levou a libertação dos escravos nem, muito menos, as intervenções das elites letradas que defendiam o fim da escravidão ou de decisões políticas desligadas das lutas sociais, mas por inúmeros personagens que dia-a-dia iam tecendo o caminho para a liberdade. O que para muitos parece ser uma simples submissão na verdade deram condições para que esse sistema se tornasse cada dia mais inadequado e inaceitável. 

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