ESCRAVIDÃO NO RECIFE DO SÉCULO XIX:
TECENDO A LIBERDADE NO COTIDIANO
Marcus J. M. de Carvalho dá início ao livro trazendo ao leitor as imagens
vistas por Charles Darwin em 1831, quando veio ao Recife de forma acidental.
Argumentando, inclusive, o quanto foi importante para este a vinda para cá no
que diz respeito ao desenvolvimento da Teoria da Evolução.
Darwin ao chegar ao Recife se
deparou com um local inóspito, insalubre, onde as ruas eram de barro,
lamacenta, as pessoas jogavam seus excrementos nas ruas. Consequência disso, as
doenças se alastravam na província. Apesar de tudo isso, o que mais chamou a
atenção do biólogo a escravidão. Para onde se olhava tinha negros trabalhando,
em diversos serviços. Numa passagem do livro o autor cita um momento em que
Darwin ouvi gemidos vindos de uma casa, era um escravo que estava sendo
castigado pelo seu senhor. Isso o causou repugno, e o que mais lhe intrigava
era o fato de nada poder fazer diante de tal situação. Essas poucas experiências
vividas por ele mostra um pouco como era a cidade do Recife no século XIX,
marcada pelas precárias condições de vida de seus habitantes e pela forte
presença da exploração da mão de obra escrava.
Ainda na introdução, Marcus de Carvalho norteia o leitor no estudo da
escravidão em seu texto, afirmando que essa área tem sido bastante explorada.
Explica que a escravidão não é algo fácil de ser analisado, pois é um
acontecimento recente. Uma coisa é avaliar a queda do Império Romano, onde,
além do distanciamento no tempo, as questões morais e éticas foram avançadas
pela humanidade; já com escravidão ou holocausto têm ocorrido discussões
meta-históricas, nas quais prevalecem as opiniões políticas e morais.
Decorrente disso o autor afirma que, em diversos momentos do livro, o leitor
vai se depara visões de teóricos que por vezes vão de encontro um ao outro. E,
argumenta, que é preciso buscar o que há de melhor em cada obra e não seguir um
único pensamento como se fosse uma cartilha.
Ainda antes de iniciar o primeiro capítulo, o autor enfatiza a
importância do século XIX em Pernambuco, falando sobre as diversas rebeliões
que ocorreram em aqui, nesse período. O autor deixa bem claro que o província
era um incômodo para o governo de Dom João e Dom Pedro I. Este último
conseguindo conquistar o ódio dos Pernambucanos. Um povo, cujo o espírito de
liberdade e de heroísmo agitados devido à derrota imposta aos holandeses, que
se inquietava com as luxúrias da nobreza sediada no Rio de Janeiro – nova
Lisboa –, em contradição com as péssimas condições de vida e dos altos tributos
cobrados pela coroa, indignos ao um povo que se sentia heróis de uma nação,
logo rompe com a rotina de da cidade e se levantam diversos movimentos. Em
1817, acontece a Revolução Pernambucana, tendo integrantes de diversos setores
da sociedades lutavam por uma república e pelo fim dos altos impostos; em 1924,
a Confederação do Equador, cujos ideais iam além da república, defendiam também
o fim da escravidão; em 1848 ocorre a Revolução Praieira, influenciada pelos
ideais dos socialistas utópicos Owen e Furrier, tinha um caráter liberal.
Vários outros levantes ocorreram no território pernambucano como é o caso do
quilombo dos Palmares.
Já na primeira parte do livro, o autor aborda a vida dos negros no
Recife. Argumentado, inclusive que eles foram agentes de sua própria história,
sendo várias formas de resistência empreendidas pelos mesmos no sentido de
conquistar mais liberdade. Essas estratégias vão desde as mais diretas, como é
o caso de Zumbi, que organizou o quilombo junto a outros negros e enfrentaram o
poder do Império pela libertação dos escravos, às mais sutis, essas se davam no
dia-a-dia, e era realizada pelos negros e negras comuns, que fugiam e iam para
outro senhor, outros viviam na marginalidade no centro, e alguns aprendiam um
ofício para ter uma vida mais livre. É nesse último caso que o autor se
debruça.
O Recife era constituído basicamente por três bairros: Bairro do Recife,
Santo Antônio e Boa Vista. Para onde se olhava havia escravos, que eram
empregados em diversos ofícios. Muitos senhores alugavam seus escravos, havia
até as lojas onde se realizavam essas trocas. Os escravos eram alugados até
para os serviços sexuais. Outros eram colocados pelos seus senhores para
venderem artigos nas ruas.
A cidade tinha uma relação profunda com os rios Capibaribe e Beberibe,
devido as péssimas condições das estradas o transporte das mercadorias se davam
no leito desses rios. Essas mercadorias vinham dos engenhos que se localizavam
ao redor do centro, esses engenhos logo se transformariam em povoações e em
seguida em bairros. A medida que a cidade ganhava importância, o trafego
crescia pelos rios. Em tempos de festas no “Recife antigo” os rios ficavam
lotados das embarcações vindas de Olinda, Várzea, Caxangá, etc. Nas festas se
dançava samba, coco, bumba-meu-boi e outras danças. Outra questão que fez com
que o rio se tornasse mais utilizado pelos recifenses era a falta de água
potável. Havia cacimbas na cidade mas todas elas eram salobras. No rio
Capibaribe era muito difícil de conseguir água doce, por isso os canoeiros iam
para a região do varadouro pelo Beberibe para pegar a água que ficava protegida
do mar – esses eram um dos motivos que levavam a elite agrária a viver em
Olinda em vez de Recife. Nesse contesto os dono de escravo começam a habilitar
os negros a trabalharem como canoeiros. Mesmo depois que a agua do varadouro já
não tinha o mesmo sabor devido a ocupação por populações ribeirinhas, a
profissão de canoeiros crescia na cidade. Entretanto, a elite se via cada vez
mais dependentes dos aguadeiros, que eram homes que iam aos pontos de
distribuição de agua potável – com as dificuldade de conseguir água no Beberibe
o governo instou ponto de água encanada – por esse motivo empregou seus negros
canoeiros a pegar água nesses pontos. Logo surgi um problema, esses locais se
tornam pontos de encontros de escravos que falavam sobre suas vidas diante dos
senhores – em minha opinião isso contribuía para que esses negros formassem
sentimentos e consciências que ajudaria na luta contra a escravidão – cantavam
as músicas que eram de costumes nas senzalas. Tudo isso incomodava bastantes a
elite branca local.
Essa vida dos canoeiros contribuiu significativamente para as diversas
formas de resistência negra diante a escravidão. Muitos negros aproveitavam a
oportunidade para fugir e com os contatos estabelecidos no ofício de canoeiro conseguiam
local para se esconder. Alguns com as práticas que haviam aprendido conseguiam
sobreviver de vários ofícios quando fugiam de seus senhores. Isso mostra que
não foi só a resistência direta que levou a libertação dos escravos nem, muito
menos, as intervenções das elites letradas que defendiam o fim da escravidão ou
de decisões políticas desligadas das lutas sociais, mas por inúmeros
personagens que dia-a-dia iam tecendo o caminho para a liberdade. O que para
muitos parece ser uma simples submissão na verdade deram condições para que
esse sistema se tornasse cada dia mais inadequado e inaceitável.
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