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domingo, 11 de janeiro de 2015

JACQUES SOUSTELLES E HENRI FAVRE: COMPARANDO AS PERSPECTIVAS DE NARRATIVAS



Os autores Jacques Soustelle e Henri Favre, fazem uma abordagem diferentes das civilizações que estudam. Isso não quer dizer que exista uma relação de superioridade-inferioridade entre os autores, mas que eles enfatizam temas diferentes desses povos. Claro que estudam civilizações diferentes, porém não é sobre o objeto de estudo que me refiro, mas ao método de pesquisa. Também não estou afirmando que haja uma disparidade de ideias entre eles, mas apenas perspectivas dissemelhantes. Apesar da não consonância, eles contribuem de formas peculiares para o entendimento dessas sociedades.  
O primeiro autor apresenta as características da organização social e política, dando pouco atenção aos aspectos culturais, às lendas de origem, e à própria narrativa histórica. Com efeito, o social tem mais destaque na sua análise.
Fazendo uma apreciação minuciosa vemos no início do texto uma narrativa histórica, explicando como se deu as várias sucessões no trono Asteca, além da formação da tríplice aliança e hegemonia de Tenochtitlan. Faz também uma enumeração e mapeamento das províncias no momento em que os espanhóis chegaram à América, o que enriquece seu estudo. Nesse sentido, Soustelle mostra uma habilidade esplêndida em detalhar as relações entre as províncias e a submissão dessas à tríplice aliança. O uso de substantivos é constante para descrever essas relações. Talvez, faça isso para ajudar a formar uma imagem pictórica na mente do leitor. Quando aborda a relação tributária, por exemplo, chega a dizer quais são os objetos tributados pelas províncias. Essas características são raras entre os historiadores principalmente entre os que abordam os aspectos sociais. Outro exemplo é essa passagem: “... as tropas mexicanas estacionadas na província de Yoaltepec alimentavam-se de peru, cabras, coelhos e milho que os indígenas eram obrigados a doar a Montecuhzoma...”, na qual encontramos o detalhamento da alimentação dos soldados quando nessa província. Esse mesmo detalhamento não parece tão enriquecedor quando se reporta à narrativa, na qual o leitor, ao contrário, se perde em meio a tantos nomes e localizações. Ela só se torna mais agradável quando o autor reflete sobre as causas e consequências de alguns fatos.
É no concernente à abordagem social que o autor se destaca. O leitor consegue ter uma ideia verossímil de como se davam as relações de classes na sociedade Asteca, além de como era organizado o Estado. Soustelle não classifica a sociedade Asteca em nenhum modo de produção, nem mesmo cita se é um sistema de estamental ou de casta. Outros historiadores, talvez, fizessem essa classificação de forma rígida. Soustelle, porém, consegue ser sensível na análise social. Ele, assim, aponta formas mistas de produção – o autor não classifica, mas no meu ponto de vista a sociedade era sustentada por uma forma semelhante à servidão coletiva, na qual os cidadão comuns tinham que prestar serviços de caráter civil e militar para o Estado; além do escravismo, que apesar de diminuto, também contribuía para o enriquecimento da civilização; e por fim, algo semelhante ao feudalismo, no qual os cidadão comuns trabalhavam na terra, que era propriedade coletiva, e pagavam tributos ao estado –, até porque seria difícil classificar o modo de produção dos Astecas, pois existem características que vão do escravismo ao socialismo. O mesmo acontece com a questão da mobilidade social, em alguns momento a sociedade parece ser de livre mobilidade social, percebemos isso quando o autor coloca que os cidadãos podiam seguir carreira militar ou eclesiástica, podendo chegar aos cargos mais altos desses seguimentos, outrossim é que o Estado recolhe entre os “filhos do povo” os dirigentes estatais. A mesma impressão não se dá quando vemos outros classes, no caso, comerciantes e artesões passam suas técnicas de pai para filho, cada uma dessas classes tem um deus próprio, o que pressupõe a crença em uma origem única, ou seja, ligação de parentesco. Nesse caso, só os indivíduos ligados por laços sanguíneos podem pertencer a esses agrupamentos, o que configura características de uma casta. Ao mesmo tempo, parece existir uma “nobreza” ou “família real”, já que o poder é passado de pai para filho, ou seja, algo semelhante a estamento. Já no que diz respeito ao caráter religioso o autor deixa claro que o governo não é autocrático, e que era comum ocorrer sincretismo entre as províncias.
O autor consegue ser inteligível no que diz respeito à propriedade. Ele fala que o cidadão recebia um lote de terra do estado para trabalhar, essa propriedade era coletiva, porém existiam pessoas que tinham vastos campos de terra na qual trabalhavam escravos, ou seja, para alguns indivíduos a terra parecia ser privada. A própria riqueza do rei se confundia com o erário público. Assim existia uma relação entre a propriedade coletiva e privada bastante dissimulada.
Em relação às artes, ciências, religião o autor se deteve a debruçar muito pouco. De certa forma, ele fala sobre a origem mitológica, mas apenas do grupo dominante, pois outros grupos teriam origens diferentes da abordada. Parece que o autor não preocupa em deixar isso claro, apesar de, mais na frente, colocar que existia sincretismo entre as crenças dos povos e que havia uma certa identidade mitológica no seio de certas classes. Não tem nenhuma passagem sobre a produção artística desses povos, sobre seus rituais e costumes. Acredito que isso possa ser cabível a uma historiador, até porque o autor é livre para julgar o que é melhor para ser abordado em seus estudos, porém, mas em nenhum momento foi citado o uso de técnicas pelos astecas, e ela tem papel fundamental dentro de sociedades ainda mais de impérios, já que para dominar outros povos, precisam fazer uso de ferramentas inexistentes entre os demais para dominá-los. Assim, não tem nenhuma descrição dos tipos de equipamentos bélicos, técnicas, etc.
O segundo, por sua vez, não dá tanta primazia à questão social, não que não aborde esse assunto, até porque seria impossível não analisa-lo, mas ele se dedica a falar sobre os vários aspectos, sem, no entanto, se aprofundar em nenhum. Assim, o autor descreve a lenda de origem; as relações entre os povos da região dos Andes antes do Império Inca, a arte, a arquitetura, o desenvolvimento bélico, etc. E, apesar de não aprofundar os aspectos citados anteriormente, deu demasiada ênfase à narrativa histórica, principalmente no período da invasão europeia.
O autor dar início com uma narrativa descritiva dos povos que chegaram na região andina antes de ser edificado o Império. Diferente de Soustelle, Favre possibilita a compreensão da existência de vários por povos com costumes e crenças diferentes. Aponta como os Incas dominaram os demais povos e como surgiu uma identidade de origem entre os povos da região de Cuzco. No caso, esses povos teriam a mesma origem segundo a mitologia, que dizia que quatro irmão saídos de uma gruta tomaram destinos diferentes. Pobres e órfão – referência aos reis que eram vistos como desligados dos laço familiares e que se dedicava ao povo –, constituíram famílias, dentre esses o mais civilizado era Manko Kapaq que foi incumbido pelo deus sol a civilizar a humanidade. E, esse argumento foi utilizado para expandir o Imperio.
Mais adiante, o auto coloca como era a organização política dos incas, que, diferente dos Astecas, era teocrática, as províncias eram totalmente submissas ao Imperio e não havia uma regularização da sucessão de poder. Ainda nesse sentido o autor, não se empenha em averiguar a estrutura da sociedade e a relação de classes. Chega a colocar como se davam as relações na fratias, na qual os representantes étnicos do império detinham a terra e os integrantes das Ayulas tinham que prestar serviços nessa terra. Também tinha um grupo de pessoas dessas fratias que tinham que prestar vários tipos de serviço ao representante real. O autor não fala sobre a existência de alguma possibilidade de mobilidade social, porém, diante de um estado teocrático, autoritário de caráter etnocêntrico, essa possibilidade parece difícil.
Favre se destaca na sua narrativa, principalmente nas passagens em que se dá as lutas pelo poder e os embates com os europeus. A sequência narrativa é bem detalhada, fazendo o leitor ligar facilmente os fatos. Diferente de Soustelle, aponta as características bélicas dos grupos que estão na luta pela hegemonia, tanto no que diz respeito aos instrumentos, quanto as técnicas. Em um trecho conta como o exército do sul conseguiu aprender va´rias táticas dos europeus através de sutileza, o que foi de demasiada importância para a resistência desse grupos.
Outra coisa importante, é que o autor fala das questões religiosas, os costumes, os ritos. Tem um momento que ele conta sobre uma estratégia inca que é ofender as imagens dos demais povos para deixá-los mais submissos. Sobre a arte vimos que os incas tiveram pouca produção, mas que importaram dos grupos dominados valores estéticos. O mesmo ocorreu com a engenharia e arquitetura, também incorporada pelos incas ao dominar outros povos. Em outras palavras o que era próprio dos Incas era o caráter bélico.
Minha intenção não é classificar os autores, como já foi dito, mas destacar o que em um se sobressaiu e entrou foi pouco abordado. Tendo em mente, é claro, que nenhum autor tem obrigação de seguir esses parâmetros, pois a narrativa histórica tem espaço para o estudo de vários objetos e também a abertura para várias clivagens.


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