Os autores Jacques Soustelle e Henri Favre, fazem uma abordagem
diferentes das civilizações que estudam. Isso não quer dizer que exista uma
relação de superioridade-inferioridade entre os autores, mas que eles enfatizam
temas diferentes desses povos. Claro que estudam civilizações diferentes, porém
não é sobre o objeto de estudo que me refiro, mas ao método de pesquisa. Também
não estou afirmando que haja uma disparidade de ideias entre eles, mas apenas
perspectivas dissemelhantes. Apesar da não consonância, eles contribuem de
formas peculiares para o entendimento dessas sociedades.
O primeiro autor apresenta as características da organização social e
política, dando pouco atenção aos aspectos culturais, às lendas de origem, e à
própria narrativa histórica. Com efeito, o social tem mais destaque na sua
análise.
Fazendo uma apreciação minuciosa vemos no início do texto uma narrativa
histórica, explicando como se deu as várias sucessões no trono Asteca, além da
formação da tríplice aliança e hegemonia de Tenochtitlan. Faz também uma
enumeração e mapeamento das províncias no momento em que os espanhóis chegaram
à América, o que enriquece seu estudo. Nesse sentido, Soustelle mostra uma
habilidade esplêndida em detalhar as relações entre as províncias e a submissão
dessas à tríplice aliança. O uso de substantivos é constante para descrever
essas relações. Talvez, faça isso para ajudar a formar uma imagem pictórica na
mente do leitor. Quando aborda a relação tributária, por exemplo, chega a dizer
quais são os objetos tributados pelas províncias. Essas características são
raras entre os historiadores principalmente entre os que abordam os aspectos
sociais. Outro exemplo é essa passagem: “... as tropas mexicanas estacionadas
na província de Yoaltepec alimentavam-se de peru, cabras, coelhos e milho que
os indígenas eram obrigados a doar a Montecuhzoma...”, na qual encontramos o
detalhamento da alimentação dos soldados quando nessa província. Esse mesmo
detalhamento não parece tão enriquecedor quando se reporta à narrativa, na qual
o leitor, ao contrário, se perde em meio a tantos nomes e localizações. Ela só
se torna mais agradável quando o autor reflete sobre as causas e consequências
de alguns fatos.
É no concernente à abordagem social que o autor se destaca. O leitor
consegue ter uma ideia verossímil de como se davam as relações de classes na
sociedade Asteca, além de como era organizado o Estado. Soustelle não
classifica a sociedade Asteca em nenhum modo de produção, nem mesmo cita se é
um sistema de estamental ou de casta. Outros historiadores, talvez, fizessem
essa classificação de forma rígida. Soustelle, porém, consegue ser sensível na
análise social. Ele, assim, aponta formas mistas de produção – o autor não
classifica, mas no meu ponto de vista a sociedade era sustentada por uma forma
semelhante à servidão coletiva, na qual os cidadão comuns tinham que prestar
serviços de caráter civil e militar para o Estado; além do escravismo, que apesar
de diminuto, também contribuía para o enriquecimento da civilização; e por fim,
algo semelhante ao feudalismo, no qual os cidadão comuns trabalhavam na terra,
que era propriedade coletiva, e pagavam tributos ao estado –, até porque seria
difícil classificar o modo de produção dos Astecas, pois existem
características que vão do escravismo ao socialismo. O mesmo acontece com a
questão da mobilidade social, em alguns momento a sociedade parece ser de livre
mobilidade social, percebemos isso quando o autor coloca que os cidadãos podiam
seguir carreira militar ou eclesiástica, podendo chegar aos cargos mais altos
desses seguimentos, outrossim é que o Estado recolhe entre os “filhos do povo”
os dirigentes estatais. A mesma impressão não se dá quando vemos outros classes,
no caso, comerciantes e artesões passam suas técnicas de pai para filho, cada
uma dessas classes tem um deus próprio, o que pressupõe a crença em uma origem
única, ou seja, ligação de parentesco. Nesse caso, só os indivíduos ligados por
laços sanguíneos podem pertencer a esses agrupamentos, o que configura
características de uma casta. Ao mesmo tempo, parece existir uma “nobreza” ou
“família real”, já que o poder é passado de pai para filho, ou seja, algo
semelhante a estamento. Já no que diz respeito ao caráter religioso o autor
deixa claro que o governo não é autocrático, e que era comum ocorrer
sincretismo entre as províncias.
O autor consegue ser inteligível no que diz respeito à propriedade. Ele
fala que o cidadão recebia um lote de terra do estado para trabalhar, essa
propriedade era coletiva, porém existiam pessoas que tinham vastos campos de
terra na qual trabalhavam escravos, ou seja, para alguns indivíduos a terra
parecia ser privada. A própria riqueza do rei se confundia com o erário
público. Assim existia uma relação entre a propriedade coletiva e privada
bastante dissimulada.
Em relação às artes, ciências, religião o autor se deteve a debruçar
muito pouco. De certa forma, ele fala sobre a origem mitológica, mas apenas do
grupo dominante, pois outros grupos teriam origens diferentes da abordada. Parece
que o autor não preocupa em deixar isso claro, apesar de, mais na frente,
colocar que existia sincretismo entre as crenças dos povos e que havia uma
certa identidade mitológica no seio de certas classes. Não tem nenhuma passagem
sobre a produção artística desses povos, sobre seus rituais e costumes.
Acredito que isso possa ser cabível a uma historiador, até porque o autor é
livre para julgar o que é melhor para ser abordado em seus estudos, porém, mas
em nenhum momento foi citado o uso de técnicas pelos astecas, e ela tem papel
fundamental dentro de sociedades ainda mais de impérios, já que para dominar outros
povos, precisam fazer uso de ferramentas inexistentes entre os demais para dominá-los.
Assim, não tem nenhuma descrição dos tipos de equipamentos bélicos, técnicas,
etc.
O segundo, por sua vez, não dá tanta primazia à questão social, não que
não aborde esse assunto, até porque seria impossível não analisa-lo, mas ele se
dedica a falar sobre os vários aspectos, sem, no entanto, se aprofundar em
nenhum. Assim, o autor descreve a lenda de origem; as relações entre os povos
da região dos Andes antes do Império Inca, a arte, a arquitetura, o
desenvolvimento bélico, etc. E, apesar de não aprofundar os aspectos citados anteriormente,
deu demasiada ênfase à narrativa histórica, principalmente no período da
invasão europeia.
O autor dar início com uma narrativa descritiva dos povos que chegaram na
região andina antes de ser edificado o Império. Diferente de Soustelle, Favre
possibilita a compreensão da existência de vários por povos com costumes e
crenças diferentes. Aponta como os Incas dominaram os demais povos e como
surgiu uma identidade de origem entre os povos da região de Cuzco. No caso,
esses povos teriam a mesma origem segundo a mitologia, que dizia que quatro
irmão saídos de uma gruta tomaram destinos diferentes. Pobres e órfão –
referência aos reis que eram vistos como desligados dos laço familiares e que
se dedicava ao povo –, constituíram famílias, dentre esses o mais civilizado
era Manko Kapaq que foi incumbido pelo deus sol a civilizar a humanidade. E,
esse argumento foi utilizado para expandir o Imperio.
Mais adiante, o auto coloca como era a organização política dos incas,
que, diferente dos Astecas, era teocrática, as províncias eram totalmente
submissas ao Imperio e não havia uma regularização da sucessão de poder. Ainda
nesse sentido o autor, não se empenha em averiguar a estrutura da sociedade e a
relação de classes. Chega a colocar como se davam as relações na fratias, na
qual os representantes étnicos do império detinham a terra e os integrantes das
Ayulas tinham que prestar serviços nessa terra. Também tinha um grupo de
pessoas dessas fratias que tinham que prestar vários tipos de serviço ao
representante real. O autor não fala sobre a existência de alguma possibilidade
de mobilidade social, porém, diante de um estado teocrático, autoritário de
caráter etnocêntrico, essa possibilidade parece difícil.
Favre se destaca na sua narrativa, principalmente nas passagens em que se
dá as lutas pelo poder e os embates com os europeus. A sequência narrativa é
bem detalhada, fazendo o leitor ligar facilmente os fatos. Diferente de
Soustelle, aponta as características bélicas dos grupos que estão na luta pela
hegemonia, tanto no que diz respeito aos instrumentos, quanto as técnicas. Em
um trecho conta como o exército do sul conseguiu aprender va´rias táticas dos
europeus através de sutileza, o que foi de demasiada importância para a resistência
desse grupos.
Outra coisa importante, é que o autor fala das questões religiosas, os
costumes, os ritos. Tem um momento que ele conta sobre uma estratégia inca que
é ofender as imagens dos demais povos para deixá-los mais submissos. Sobre a
arte vimos que os incas tiveram pouca produção, mas que importaram dos grupos
dominados valores estéticos. O mesmo ocorreu com a engenharia e arquitetura,
também incorporada pelos incas ao dominar outros povos. Em outras palavras o
que era próprio dos Incas era o caráter bélico.
Minha intenção não é classificar os autores, como já foi dito, mas
destacar o que em um se sobressaiu e entrou foi pouco abordado. Tendo em mente,
é claro, que nenhum autor tem obrigação de seguir esses parâmetros, pois a
narrativa histórica tem espaço para o estudo de vários objetos e também a
abertura para várias clivagens.
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