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sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O INTELECTUAL ESTÉTICO, OU ONINTELECTUAL UTILITÁRIO: novas formas de alienação que se dão de forma inversa às antigas







            Vivemos uma certa transformação do hábito de leitura, estamos democratizando a informação, mas estamos ainda num processo de estupidificação (Charlotte Iserbyt, A Deliberada Estupidificação da América). Digo, informações chegam, mas falta muito mais para que possamos ser cidadãos de fato crítico.
            Antes os cidadãos não conseguiam ter informação para ter sua própria opinião bem definida, isso não vale apenas para os mais pobres, mesmo os letrados tinham uma certa dificuldade em ter acesso ao saber, já que ele e limitava aos livros
Nesse sentido, penso existir dois processos de alienação do saber produzidos na sociedade atual, e eles se dão de forma inversa de como se deu no passado. E o que acho mais interessante é que em vez de elevar o nível de conhecimento das massas estupidifica as elites.
Não existe uma separação concreta entre os intelectuais estéticos e utilitários, eles se imbricam e por vezes são os mesmos, separá-los é um tanto difícil é como separar o ser e o nada (Sartre).
Chamo de intelectual estético aquele que está se formando com pequenos fragmentos de informações. Esses são pessoas que normalmente tem problemas com o tempo, pois trabalham e levam uma vida difícil. Também tem aqueles se contentam com conteúdo informativos que lhes satisfaça suas necessidades espirituais.
Esse intelectual são as pessoas de massa que hoje tem informação, ou pessoas que tem elevado grau de educação, mas que não podem ou não querem se esforçar em sair do esteticismo.
Chamo de esteticismo a caráter de olhar as coisas em si, digo, de ler a informação com ela está escrita, receber as informações. Ser estético é olhar o mundo visível e a aparente, observar a aparência e desprezar a essência.
Atualmente, isso tem acontecido bastante. Na internet são encontradas informações para os diversos assuntos que estão dispostas nas redes sociais. Essas informações estão dispostas na forma de artigo, são comumente muito pequenos e de fácil leitura. Esse tipo de informação tem atraído essa nova intelectualidade. O que acontece é que é muito fácil escrever um artigo, ele é recheado de informação que são distribuídas de forma lógica e que conduzem o leitor a acreditar no que está ali escrito. Quem escreve pode mentir e omitir a vontade que poucas pessoas conseguem perceber que foram desviadas da realidade. Darei um exemplo chulo de como uma pessoa pode ser ludibriada pelo argumento lógico: “Os criminosos devem ir para a cadeia, a maioria dos criminosos são negro, logo o negro devem ir para a cadeia”. É obvio que qualquer pessoa consciente iria desprezar esse conectivo. Mas se dito em um contexto histórico do século XIX poderia convencer muita gente. Isso porque a lógica liga pequenos fragmentos da realidade e ignora outros. Assim vai combinando o que lhe interessa e desprezando o que pode atrapalhas seus planos.
Acontece que num artigo não existe muito espaço para uma discussão mais filosófica que conduzam a um melhor entendimento da realidade. Então os parágrafos vão fazendo conectivos lógicos e desenhando uma determinada ideia. Os fatos vão ganhando alma e dizendo o que o escritor que dizer.
A tendência é que o intelectual estético entre em choques constante com a realidade, pois em um determinado artigo percebe tal fenômeno, e em outro percebe outro. São colhidos os fatos na sua forma em-si.
Certa vez li um artigo que dizia que determinado autor era um militante de uma determinada ideia. Porém uma das informações que ele trouxe para provar que esse autor era militante dessa ideia foi usada por outro autor para explicar que aquele mesmo autor em questão era militante de uma outra ideia.
Num artigo é bem mais fácil de isso acontecer, pois são precisas poucas informações e afirmações, assim, o leitor não pode ter acesso a diversas outras e refletir sobre elas durante a leitura.
            Um intelectual vai perceber que entra em contradição ao ler diversos artigos, e ele tende a procurar outros artigos que ajudem a compreender melhor o assunto. Essa espécie de intelectual está num nível mais avançado que outros, ele afronta suas convicções e perde o medo de enfrentar a sua fé intelectual, para se expandir a um novo estágio ou transcender sua forma de ver o mundo. É obvio que enquanto ele ficar apenas com artigos será um intelectual estético, porém se ele converge opiniões, então estará num nível mais avançado.
Diferente é o que ocorre com a massa de pessoas que tem acesso a tanta informação. Como são diversas fontes, tende a ocorrer uma formação de zona de conforto intelectual, passa a existir a produção de uma fé e com seus gurus bem apresentados. Isso acontece tanto à direita como à esquerda.
Essa zona de conforto é consequência da dor que se faz ao indivíduo quando sente um vazio ideológico, quando um determinado artigo quebra uma determinada crença o sujeito sente-se sem base, é como se tirasse uma carta da torre de baralho. Essa torre são nossas convicções, quando ela é derrubada dói muito reestruturá-la. Para tanto é preciso ir atrás de novas fontes e de muita reflexão individual a respeito de tais convicções. A tendência é fingir que não leu tal artigo, remontar a torre como era antes sem substituição alguma de cartas na base. E prosseguir sua vida intelectual. Essas pessoas vão construindo um referencial teórico sem se dar conta disso, ela passa a conviver com as pessoas que pensam igual, e ler artigos de fontes determinadas desprezando as que afronta as suas ideias. Ainda consegue criar um mecanismo de proteção de crenças com críticas superficiais aos seus inimigos ideológicos. Faz-se piadas de determinados autores, colocando eles como incapazes de dizer qualquer coisa lógica, sendo portanto, uma perda de tempo ouvi-los.
Os círculos são formados, e cada vez mais as pessoas ficam mais preocupadas em pertencer ao círculo que ter acesso ao conhecimento. Então vão montando um monumento ideológico e fingindo que os outros não existem ou são ridículos.
Quando os saberes antagônicos se manifestam, passam a fazer o contrário do que faziam nos primeiros artigos, vão no em-si do artigo, em vez de ir no artigo em-si. Ou seja, agora levam em conta principalmente sua essência que é a de se posicionar contra determinada ideia. Mas o ver as coisas pela sua essência em vez de aparência se limita a isso, e se dá apenas nesse momento.
Durante todo o tempo continua lendo os artigos afins pela sua aparência, sem se preocupar se há algo mais em sua essência.
Para cada argumento dos inimigos existe uma certa ridicularização, assim as pessoas se contentam em rir dos argumentos em vez de refletir sobre eles. Ridicularizar é uma forma de tornar o argumento chulo e sem conteúdo. Porém é preciso fazer-se a seguinte pergunta, “por que eles pensam assim?”. Nesse sentido a pessoa sai de sua zona de conforto em crer que aquelas pessoas do outro lado são estúpidas e passam a refletir sobre tal estupidez deles. “Será que eles são mesmo estúpidos como eu penso que são, eu será que são apenas diferentes?”. A alteridade é um momento de transcendência, são poucos que conseguem fazer esse exercício. Se colocar no lugar do outro é inconcebível para qualquer intelectual estético.
Quem olha para o argumento do seu inimigo imagina que ele pense como a si, porém manifestas ideias sem conexão alguma por que não tem argumento. Pois se fosse falar o que pensa diria o mesmo que o “eu” digo. Porém o fato é que os argumentos do A grupo não fazem sentido algum para o grupo B e vice versa. Os dois se olham como olhassem idiotas. Comumente o grupo A acha que seus argumentos são válidos para o grupo B, porém o grupo B não possui ferramentas necessárias para contradizer o grupo A. então o grupo B é um estúpido para A. a verdade é que se B usasse os mesmos conectivos lógicos que são usados pelo grupo A seriam o mesmo grupo, e não dois diferentes. E essa não é a questão.  
Outra coisa é o intelectual utilitarista. Esse está num campo mais avançado, mas faz uso da má-fé para conseguir o que quer. Esse não ler apenas artigos por questão de preguiça ou de tempo, mas pelo simples fato de fazer do seu intelecto um capital.
Esse intelectual apenas se interessa em ter ganhos com seu saber. Por isso para ele não interessa nem um pouco ler livros que são de outras fontes, pois isso só iria atrapalhar a sua vida econômica. Assim, ele vai traçando o que quer ler de forma consciente, sem nenhum medo interior de derrubar a sua torre de baralho ideológica. Sabe muito bem que ignora diversas fontes e sabe que não deve lê-las por questão de conveniência.
Esse é mero fruto do capitalismo, e na verdade ele produz os intelectuais estéticos que estão logo abaixo dele. Ele sabe que seus leitores são fiéis e que não vão discordar de seus pensamentos, então não se preocupam muito em fundamentar e conduzir o leitor a uma reflexão individual e internar. Teme inclusive causar um mal estar no seu leitor ao ler coisas que possam fazer ele se sentir desconfortável em entender. Sua limitação acaba se limitando a limitação que dá aos seus leitores. Se torna um ciclo vicioso.
Antes os intelectuais eram obrigados a ter informações pelos livros, eles tinham que ler ele totalmente e não fragmentos, até por que não podiam satisfazer suas necessidades espirituais sem terminar um livro. Ao ler um livro muitas questões aparecem na cabeça do leitor, questões essas que talvez não tenham aparecido na mente do escritor. O leitor ou abandona o livro por não conseguir se responder ou vai até o fim acreditando achar uma resposta. Ele se disciplina, e mesmo vendo o quão torturante é terminar o livro vai até o final. Ele então sai do livro repleto de questões que só podem ser resolvidas com outros livros. Vai se então aos autores que influenciou o escritor, e depois aos que o criticaram, e assim as questões só aumentam.
Essa é a diferença da nova intelectualidade. São tantas informações que estamos convencidos que todas as nossas questões estão na internet e que alguém pode resolvê-las para nós. Por isso não é preciso se questionar e refletir, mas apenas esperar que apareça na internet algo que me convença do que quero ser convencido.
Imagine o que um Husserl faria ao ter uma pergunta, ele não tinha internet, e para ter conhecimento teria que ir num livro ou documento. Porém acabava com mais perguntas e não com as respostas. As respostas acabavam surgindo da própria reflexão desses intelectuais.
Não esqueçamos que o que lemos hoje são derivados do que foi produzido por homens que usaram muito mais de sua imaginação e reflexão do que livros. A formação deles não veio de artigos da internet. Eles tiveram que refletir muito sobre sua realidade.
Assim, esses artigos são apenas reprodução de axiomas produzidos pelos intelectuais de outras épocas. Com algumas reflexões. Então se pegamos artigos poucos refletidos e não refletimos sobre ele, então viramos uma máquina de conter ideias. É como ser um mero pen-drive, onde as informações são simplesmente repassadas. Estamos criando uma geração de pen-drives humanos, com convicções bem definidas e delimitadas. A grande diferença é que existe uma gama enorme de estupidificações, são criadas ilhas ideológicas.
Minha preocupação é com essas duas questões, a de torna utilitário o saber, sendo selecionados as informações não apenas por motivos econômicos, mas também intelectual, com o medo de enfrentar suas próprias convicções. Não existe preocupação em conhecer, mas apenas em se tornar parte de um grupo, poder ser aceito e bem recebido, então vai se solidificando na mente desses leitores informações que não conduzem com a realidade.
Esse intelectual estético acaba se tornando um utilitário, pois sua leitura de aparência impede que ele se interesse pela essência, assim, vai vivendo numa superfície da intelectualidade.
A preocupação principal não está em forma uma concepção da realidade ou satisfazer e responder suas questões próprias, mas a de forma-se na aparência. A essência é totalmente esquecida, as pessoas – desculpem-me a expressão – estão virando “zumbis”, ou seja, corpo sem alma, totalmente doutrinado a uma militância. Uma pessoa sem anseios intelectuais, sem questionamentos, não é um intelectual.
Se o acesso à informação não pode contribuir para a transcendência intelectual, então para que erve? Isso não pode ser exigido dos governos, mas das pessoas, é preciso acabar com o paternalismo de um grande responsável por todos, é preciso compreender que as pessoas devem ser cobradas. Penso que seja isso o que faço nesse artigo. Não existe método pedagógico no mundo que eleve a consciência humana, o que vejo hoje sendo dita pelos pedagogos é pior que o Paulo Freire ou Dilthey. A proposta agora é em vez de exigir do aluno exigir do professor apenas, e em vez de por dificuldades aos alunos facilitar o conteúdo. Não se trata de compreender a realidade do aluno, mas de descer o nível educacional para que os mais intelectualizados acompanhem o menos.
Chegam e exigir que se fundam várias matérias, tornando-as mais fáceis, e mais atraentes. É uma verdadeira pedagogia maquiavélica. Que não pretende educar os mais desfavorecidos, mas estupidificar os filhos da elite intelectual, ou seja, igualar por baixo.
Eu preciso que me expliquem por que que esses novos métodos não produziram nenhum Marx, Hegel, Sartre, etc. Fala-se tanto de formação tecnicista, mas é justamente isso que querem fazer dos jovens, torná-los intelectuais técnicos, facilmente moldáveis, sem espíritos, corpos vazios. É ensinado nas universidades que o aluno não precisa mais de professor, e que temos que nos preparar para isso, por vamos enfrentar alunos que se formam pela internet. É muito tecnicismo intelectual, é esquecer a importância da reflexão, da interpretação dos fatos. É acreditar que formar meros pen-drives humanos é suficiente.
A internet é um ótimo mecanismo de saber, mas sem reflexão individual, sem anseios não se forma espíritos críticos. Não é isso que queremos para nossos jovens.




           




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