Vivemos
uma certa transformação do hábito de leitura, estamos democratizando a
informação, mas estamos ainda num processo de estupidificação (Charlotte
Iserbyt, A Deliberada Estupidificação da América). Digo, informações chegam,
mas falta muito mais para que possamos ser cidadãos de fato crítico.
Antes os
cidadãos não conseguiam ter informação para ter sua própria opinião bem definida,
isso não vale apenas para os mais pobres, mesmo os letrados tinham uma certa
dificuldade em ter acesso ao saber, já que ele e limitava aos livros
Nesse sentido, penso existir dois processos de alienação do
saber produzidos na sociedade atual, e eles se dão de forma inversa de como se
deu no passado. E o que acho mais interessante é que em vez de elevar o nível
de conhecimento das massas estupidifica as elites.
Não existe uma separação concreta entre os intelectuais
estéticos e utilitários, eles se imbricam e por vezes são os mesmos, separá-los
é um tanto difícil é como separar o ser e
o nada (Sartre).
Chamo de intelectual estético aquele que está se formando com
pequenos fragmentos de informações. Esses são pessoas que normalmente tem
problemas com o tempo, pois trabalham e levam uma vida difícil. Também tem
aqueles se contentam com conteúdo informativos que lhes satisfaça suas
necessidades espirituais.
Esse intelectual são as pessoas de massa que hoje tem
informação, ou pessoas que tem elevado grau de educação, mas que não podem ou
não querem se esforçar em sair do esteticismo.
Chamo de esteticismo a caráter de olhar as coisas em si,
digo, de ler a informação com ela está escrita, receber as informações. Ser
estético é olhar o mundo visível e a aparente, observar a aparência e desprezar
a essência.
Atualmente, isso tem acontecido bastante. Na internet são
encontradas informações para os diversos assuntos que estão dispostas nas redes
sociais. Essas informações estão dispostas na forma de artigo, são comumente
muito pequenos e de fácil leitura. Esse tipo de informação tem atraído essa
nova intelectualidade. O que acontece é que é muito fácil escrever um artigo,
ele é recheado de informação que são distribuídas de forma lógica e que
conduzem o leitor a acreditar no que está ali escrito. Quem escreve pode mentir
e omitir a vontade que poucas pessoas conseguem perceber que foram desviadas da
realidade. Darei um exemplo chulo de como uma pessoa pode ser ludibriada pelo
argumento lógico: “Os criminosos devem ir
para a cadeia, a maioria dos criminosos são negro, logo o negro devem ir para a
cadeia”. É obvio que qualquer
pessoa consciente iria desprezar esse conectivo. Mas se dito em um contexto
histórico do século XIX poderia convencer muita gente. Isso porque a lógica
liga pequenos fragmentos da realidade e ignora outros. Assim vai combinando o
que lhe interessa e desprezando o que pode atrapalhas seus planos.
Acontece que num artigo não existe muito espaço para uma
discussão mais filosófica que conduzam a um melhor entendimento da realidade.
Então os parágrafos vão fazendo conectivos lógicos e desenhando uma determinada
ideia. Os fatos vão ganhando alma e dizendo o que o escritor que dizer.
A tendência é que o intelectual estético entre em choques
constante com a realidade, pois em um determinado artigo percebe tal fenômeno,
e em outro percebe outro. São colhidos os fatos na sua forma em-si.
Certa vez li um artigo que dizia que determinado autor era um
militante de uma determinada ideia. Porém uma das informações que ele trouxe
para provar que esse autor era militante dessa ideia foi usada por outro autor
para explicar que aquele mesmo autor em questão era militante de uma outra
ideia.
Num artigo é bem mais fácil de isso acontecer, pois são
precisas poucas informações e afirmações, assim, o leitor não pode ter acesso a
diversas outras e refletir sobre elas durante a leitura.
Um
intelectual vai perceber que entra em contradição ao ler diversos artigos, e
ele tende a procurar outros artigos que ajudem a compreender melhor o assunto.
Essa espécie de intelectual está num nível mais avançado que outros, ele
afronta suas convicções e perde o medo de enfrentar a sua fé intelectual, para
se expandir a um novo estágio ou transcender sua forma de ver o mundo. É obvio
que enquanto ele ficar apenas com artigos será um intelectual estético, porém
se ele converge opiniões, então estará num nível mais avançado.
Diferente é o que ocorre com a massa de pessoas que tem
acesso a tanta informação. Como são diversas fontes, tende a ocorrer uma
formação de zona de conforto intelectual, passa a existir a produção de uma fé
e com seus gurus bem apresentados. Isso acontece tanto à direita como à esquerda.
Essa zona de conforto é consequência da dor que se faz ao
indivíduo quando sente um vazio ideológico, quando um determinado artigo quebra
uma determinada crença o sujeito sente-se sem base, é como se tirasse uma carta
da torre de baralho. Essa torre são nossas convicções, quando ela é derrubada
dói muito reestruturá-la. Para tanto é preciso ir atrás de novas fontes e de
muita reflexão individual a respeito de tais convicções. A tendência é fingir
que não leu tal artigo, remontar a torre como era antes sem substituição alguma
de cartas na base. E prosseguir sua vida intelectual. Essas pessoas vão
construindo um referencial teórico sem se dar conta disso, ela passa a conviver
com as pessoas que pensam igual, e ler artigos de fontes determinadas
desprezando as que afronta as suas ideias. Ainda consegue criar um mecanismo de
proteção de crenças com críticas superficiais aos seus inimigos ideológicos.
Faz-se piadas de determinados autores, colocando eles como incapazes de dizer
qualquer coisa lógica, sendo portanto, uma perda de tempo ouvi-los.
Os círculos são formados, e cada vez mais as pessoas ficam
mais preocupadas em pertencer ao círculo que ter acesso ao conhecimento. Então
vão montando um monumento ideológico e fingindo que os outros não existem ou
são ridículos.
Quando os saberes antagônicos se manifestam, passam a fazer o
contrário do que faziam nos primeiros artigos, vão no em-si do artigo, em vez
de ir no artigo em-si. Ou seja, agora levam em conta principalmente sua
essência que é a de se posicionar contra determinada ideia. Mas o ver as coisas
pela sua essência em vez de aparência se limita a isso, e se dá apenas nesse
momento.
Durante todo o tempo continua lendo os artigos afins pela sua
aparência, sem se preocupar se há algo mais em sua essência.
Para cada argumento dos inimigos existe uma certa
ridicularização, assim as pessoas se contentam em rir dos argumentos em vez de
refletir sobre eles. Ridicularizar é uma forma de tornar o argumento chulo e
sem conteúdo. Porém é preciso fazer-se a seguinte pergunta, “por que eles
pensam assim?”. Nesse sentido a pessoa sai de sua zona de conforto em crer que
aquelas pessoas do outro lado são estúpidas e passam a refletir sobre tal
estupidez deles. “Será que eles são mesmo estúpidos como eu penso que são, eu
será que são apenas diferentes?”. A alteridade é um momento de transcendência,
são poucos que conseguem fazer esse exercício. Se colocar no lugar do outro é
inconcebível para qualquer intelectual estético.
Quem olha para o argumento do seu inimigo imagina que ele
pense como a si, porém manifestas ideias sem conexão alguma por que não tem
argumento. Pois se fosse falar o que pensa diria o mesmo que o “eu” digo. Porém
o fato é que os argumentos do A grupo não fazem sentido algum para o grupo B e
vice versa. Os dois se olham como olhassem idiotas. Comumente o grupo A acha
que seus argumentos são válidos para o grupo B, porém o grupo B não possui
ferramentas necessárias para contradizer o grupo A. então o grupo B é um
estúpido para A. a verdade é que se B usasse os mesmos conectivos lógicos que
são usados pelo grupo A seriam o mesmo grupo, e não dois diferentes. E essa não
é a questão.
Outra coisa é o intelectual utilitarista. Esse está num campo
mais avançado, mas faz uso da má-fé para conseguir o que quer. Esse não ler
apenas artigos por questão de preguiça ou de tempo, mas pelo simples fato de
fazer do seu intelecto um capital.
Esse intelectual apenas se interessa em ter ganhos com seu
saber. Por isso para ele não interessa nem um pouco ler livros que são de
outras fontes, pois isso só iria atrapalhar a sua vida econômica. Assim, ele
vai traçando o que quer ler de forma consciente, sem nenhum medo interior de
derrubar a sua torre de baralho ideológica. Sabe muito bem que ignora diversas
fontes e sabe que não deve lê-las por questão de conveniência.
Esse é mero fruto do capitalismo, e na verdade ele produz os
intelectuais estéticos que estão logo abaixo dele. Ele sabe que seus leitores
são fiéis e que não vão discordar de seus pensamentos, então não se preocupam
muito em fundamentar e conduzir o leitor a uma reflexão individual e internar.
Teme inclusive causar um mal estar no seu leitor ao ler coisas que possam fazer
ele se sentir desconfortável em entender. Sua limitação acaba se limitando a
limitação que dá aos seus leitores. Se torna um ciclo vicioso.
Antes os intelectuais eram obrigados a ter informações pelos
livros, eles tinham que ler ele totalmente e não fragmentos, até por que não
podiam satisfazer suas necessidades espirituais sem terminar um livro. Ao ler
um livro muitas questões aparecem na cabeça do leitor, questões essas que
talvez não tenham aparecido na mente do escritor. O leitor ou abandona o livro
por não conseguir se responder ou vai até o fim acreditando achar uma resposta.
Ele se disciplina, e mesmo vendo o quão torturante é terminar o livro vai até o
final. Ele então sai do livro repleto de questões que só podem ser resolvidas
com outros livros. Vai se então aos autores que influenciou o escritor, e
depois aos que o criticaram, e assim as questões só aumentam.
Essa é a diferença da nova intelectualidade. São tantas
informações que estamos convencidos que todas as nossas questões estão na
internet e que alguém pode resolvê-las para nós. Por isso não é preciso se
questionar e refletir, mas apenas esperar que apareça na internet algo que me
convença do que quero ser convencido.
Imagine o que um Husserl faria ao ter uma pergunta, ele não
tinha internet, e para ter conhecimento teria que ir num livro ou documento.
Porém acabava com mais perguntas e não com as respostas. As respostas acabavam
surgindo da própria reflexão desses intelectuais.
Não esqueçamos que o que lemos hoje são derivados do que foi
produzido por homens que usaram muito mais de sua imaginação e reflexão do que
livros. A formação deles não veio de artigos da internet. Eles tiveram que
refletir muito sobre sua realidade.
Assim, esses artigos são apenas reprodução de axiomas
produzidos pelos intelectuais de outras épocas. Com algumas reflexões. Então se
pegamos artigos poucos refletidos e não refletimos sobre ele, então viramos uma
máquina de conter ideias. É como ser um mero pen-drive, onde as informações são
simplesmente repassadas. Estamos criando uma geração de pen-drives humanos, com
convicções bem definidas e delimitadas. A grande diferença é que existe uma
gama enorme de estupidificações, são criadas ilhas ideológicas.
Minha preocupação é com essas duas questões, a de torna
utilitário o saber, sendo selecionados as informações não apenas por motivos
econômicos, mas também intelectual, com o medo de enfrentar suas próprias
convicções. Não existe preocupação em conhecer, mas apenas em se tornar parte
de um grupo, poder ser aceito e bem recebido, então vai se solidificando na
mente desses leitores informações que não conduzem com a realidade.
Esse intelectual estético acaba se tornando um utilitário,
pois sua leitura de aparência impede que ele se interesse pela essência, assim,
vai vivendo numa superfície da intelectualidade.
A preocupação principal não está em forma uma concepção da
realidade ou satisfazer e responder suas questões próprias, mas a de forma-se
na aparência. A essência é totalmente esquecida, as pessoas – desculpem-me a
expressão – estão virando “zumbis”, ou seja, corpo sem alma, totalmente
doutrinado a uma militância. Uma pessoa sem anseios intelectuais, sem
questionamentos, não é um intelectual.
Se o acesso à informação não pode contribuir para a
transcendência intelectual, então para que erve? Isso não pode ser exigido dos
governos, mas das pessoas, é preciso acabar com o paternalismo de um grande
responsável por todos, é preciso compreender que as pessoas devem ser cobradas.
Penso que seja isso o que faço nesse artigo. Não existe método pedagógico no
mundo que eleve a consciência humana, o que vejo hoje sendo dita pelos
pedagogos é pior que o Paulo Freire ou Dilthey. A proposta agora é em vez de
exigir do aluno exigir do professor apenas, e em vez de por dificuldades aos
alunos facilitar o conteúdo. Não se trata de compreender a realidade do aluno,
mas de descer o nível educacional para que os mais intelectualizados acompanhem
o menos.
Chegam e exigir que se fundam várias matérias, tornando-as
mais fáceis, e mais atraentes. É uma verdadeira pedagogia maquiavélica. Que não
pretende educar os mais desfavorecidos, mas estupidificar os filhos da elite
intelectual, ou seja, igualar por baixo.
Eu preciso que me expliquem por que que esses novos métodos
não produziram nenhum Marx, Hegel, Sartre, etc. Fala-se tanto de formação
tecnicista, mas é justamente isso que querem fazer dos jovens, torná-los
intelectuais técnicos, facilmente moldáveis, sem espíritos, corpos vazios. É
ensinado nas universidades que o aluno não precisa mais de professor, e que
temos que nos preparar para isso, por vamos enfrentar alunos que se formam pela
internet. É muito tecnicismo intelectual, é esquecer a importância da reflexão,
da interpretação dos fatos. É acreditar que formar meros pen-drives humanos é
suficiente.
A internet é um ótimo mecanismo de saber, mas sem reflexão
individual, sem anseios não se forma espíritos críticos. Não é isso que
queremos para nossos jovens.
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