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domingo, 11 de janeiro de 2015

Reflexões sobre “A Sabedoria Proverbial e os Erros Populares” de Natalie Z. Davies






            A autora tem um extenso trabalho sobre cultura popular, contribuindo significativamente para a história cultural. Nesse trabalho em questão ela trata dos provérbios populares, fazendo questionamentos pertinentes sobre suas origens, seus efeitos na sociedade, sobre a circularidade deles entre as camadas sociais, etc. Penso que cada uma dessas questões é de grande importância, tendo em vista que os ditados populares constituem boa parte da formação cultural dos indivíduos, eles acabam servindo de fato como guia para a vida das pessoas. Uma análise sobre eles deve ser feita.
            A autora afirma que houve um momento em que começou-se a reunir esses provérbios, organizando catálogos em ordem alfabética. Ela também diz que essa reunião de provérbios feitas por clérigos eram pedidos dos condes. Muitos deles eram bastante utilizados na França.
            Se isso é verdade, devemos nos perguntar qual a intenção da reunião desses provérbios.
            Se a elite na forma dos condes pretendiam reunir, isso pode significar que tais ditos populares deveriam ter valor disciplinar e corretivo, e valoriza-los talvez fosse um meio não só de perpetuar esses costumes de regramento entre os populares, mas também de coagir a própria elite, tendo em vista que a aristocracia não estava isenta de rebelar-se contra seus superiores. Essa é uma visão articular, porém pretendo apresentar alguns elementos que ajudem nesse argumento:

“Para Perestrello da Camara (1848: p. VI) a coletânea se justificava pela falta do que chamava de ‘manancial de galas e enfeites, de tanto uso na sociedade’. Diante disso, a proposta era organizar estas expressões proverbiais, com o intuito de maior divulgação entre os grupos sociais letrados, sem deixar de expressar o caráter moralista dessas expressões, pois afirmava a necessidade de escolher dentre as expressões populares, a que se constituísse ‘adequada ao nosso intento’. O caráter pedagógico da coletânea ficava, portanto, na expectativa de que essa coleção servisse como elemento de orientação, tanto que este autor afirma que a coleção também teria o intento de ‘decifrar ao que ignoramos’”[1] (grifo meu)
            Se a população fazia uso desses provérbios então não seria tão importante compila-los para disciplinar a plebe e camponeses. É óbvio também que essa ação poderia ajudar a fortalecer essas crenças sobre o povo. Mas a disciplina sobre a própria elite não deve ser descartada.
            Outra questão é que parece um tanto estranho que as elites reúnam tais ditos, tendo em vista que o que vem do povo é sempre visto como inculto. A autora fala de um interesse de traze-los para o culto, mas seriam apenas para conhecimento das camadas favorecidas, ou teria o papel que falei anteriormente?
            Perceba ainda que essa reunião de elementos populares pode ser considerada como anterior as ações dos romancistas que pretendiam resgatar os valores populares. Seria uma espécie de populismo dos condes em fazer isso?   
            De fato esses provérbios criavam uma espécie de regulagem na vida das pessoas, tendo em vista que são baseados em valores morais. Esses provérbios eram reproduzidos apenas oralmente, tendo em vista que a população mais pobre não sabia escrever. Muitos deles estão bastante ligados aos valores religiosos.
            O fato de serem reguladores e terem elementos religiosos pode nos levar ao questionamento sobre a origem real desses ditados, ou seja, será que eles realmente vieram dos camponeses? Vejamos esse trecho do mesmo autor:
           

“É preciso considerar, como adverte Gomes (1974: p. 6), que uma análise dos provérbios revelará sempre as suas estreitas relações com a cultura estabelecida e dominante, imposta por grupos que detiveram por extensos períodos “as rédeas da cultura”. Deduz-se então, que haveria provérbios que teriam uma origem culta, ou mesmo de origem popular, podem ter sofrido alterações com a convivência com grupos eruditos. Entretanto, os provérbios não são expressões idiomáticas, pois não pertencem a um grupo social ou a uma determinada região”[2]
            Aqui vemos aquela máxima de Marx “a ideologia dominante nada mais é que a ideologia da classe dominante”[3], porém penso que se assim fosse, digo, se os ditados tivessem na verdade origem culta não seria necessário a compilação. Sim, talvez tivessem vários deles que sejam de origem culta, e outros que foram moldados, o que parece mais possível, mas afirmar que esses ditados nada mais eram que criações feitas para regular a massa me parece um tanto pretensioso, é julgar como sendo a massa incapaz de produzir regras sociais.
            Vemos que muitos deles são de base religiosa, como vemos no trecho a seguir:


“Independente de ser popular ou culto, de ser freqüente no uso de determinados tipos de pessoas mais velhas, o certo é que os provérbios são defendidos por Perestrello da Camara (1848: p. VI), pois, atraem e se instauram na memória coletiva por serem, em muitos casos, espirituais (“Deus dá nozes a quem não tem dentes”), conselheiros (“Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje”), e irracionais (“A mulher e a cachorra, a que mais cala é a melhor”)”[4]
            A questão é se foram criados pela Igreja e divulgados para o povo ou se existia um interessa dela devido eles representarem questões de fé. Penso que o povo não é impedido de reproduzir valores religiosos devido não serem da elite ou do clero, vê a Igreja como mero meio de dominação constitui um equívoco.
            Esses provérbios, como disse a autora, formam a identidade popular, tem um significado histórico, social e espiritual. Suas origens, de fato, são uma questão que merece bastante atenção, mas tentar usar axiomas marxistas para justificar uma tese não é prova-la, penso que exista um circularidade e hibridismo nessa questão, onde tanto e cima como em baixo vão se dando essas trocas, servindo para ambos e de maneiras diferentes ou semelhantes dependendo do contexto.


Referência
http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/ARTIGO_REVISTA_LITTERIS10_Francivaldo_Nunes.pdf

DAVIES, Natalie Z. Cultura Popular, a sabedoria proverbial e os erros populares.





[1] NUNES, Francivaldo Alves. OS PROVÉRBIOS EM COLETÂNEA DA LINGOA PORTUGUEZA:
aspectos da sociedade brasileira oitocentista. Revista Litteris.
[2] Ibidem.
[3] MARX, Karl. A ideologia alemã.
[4] NUNES, Francivaldo Alves. OS PROVÉRBIOS EM COLETÂNEA DA LINGOA PORTUGUEZA:
aspectos da sociedade brasileira oitocentista. Revista Litteris.

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