A
autora tem um extenso trabalho sobre cultura popular, contribuindo significativamente
para a história cultural. Nesse trabalho em questão ela trata dos provérbios
populares, fazendo questionamentos pertinentes sobre suas origens, seus efeitos
na sociedade, sobre a circularidade deles entre as camadas sociais, etc. Penso
que cada uma dessas questões é de grande importância, tendo em vista que os
ditados populares constituem boa parte da formação cultural dos indivíduos,
eles acabam servindo de fato como guia para a vida das pessoas. Uma análise
sobre eles deve ser feita.
A autora afirma que houve um momento
em que começou-se a reunir esses provérbios, organizando catálogos em ordem alfabética.
Ela também diz que essa reunião de provérbios feitas por clérigos eram pedidos
dos condes. Muitos deles eram bastante utilizados na França.
Se isso é verdade, devemos nos
perguntar qual a intenção da reunião desses provérbios.
Se a elite na forma dos condes pretendiam
reunir, isso pode significar que tais ditos populares deveriam ter valor
disciplinar e corretivo, e valoriza-los talvez fosse um meio não só de perpetuar
esses costumes de regramento entre os populares, mas também de coagir a própria
elite, tendo em vista que a aristocracia não estava isenta de rebelar-se contra
seus superiores. Essa é uma visão articular, porém pretendo apresentar alguns
elementos que ajudem nesse argumento:
“Para Perestrello da Camara
(1848: p. VI) a coletânea se justificava pela falta do que chamava de ‘manancial
de galas e enfeites, de tanto uso na sociedade’. Diante disso, a proposta era
organizar estas expressões proverbiais, com o intuito de maior divulgação entre
os grupos sociais letrados, sem deixar de expressar o caráter moralista dessas
expressões, pois afirmava a necessidade de escolher dentre as expressões populares,
a que se constituísse ‘adequada ao nosso intento’. O caráter pedagógico da coletânea ficava, portanto, na expectativa de
que essa coleção servisse como elemento de orientação, tanto que este autor
afirma que a coleção também teria o intento de ‘decifrar ao que ignoramos’”[1]
(grifo
meu)
Se a população fazia uso desses
provérbios então não seria tão importante compila-los para disciplinar a plebe
e camponeses. É óbvio também que essa ação poderia ajudar a fortalecer essas
crenças sobre o povo. Mas a disciplina sobre a própria elite não deve ser
descartada.
Outra questão é que parece um tanto
estranho que as elites reúnam tais ditos, tendo em vista que o que vem do povo
é sempre visto como inculto. A autora fala de um interesse de traze-los para o
culto, mas seriam apenas para conhecimento das camadas favorecidas, ou teria o
papel que falei anteriormente?
Perceba ainda que essa reunião de elementos
populares pode ser considerada como anterior as ações dos romancistas que
pretendiam resgatar os valores populares. Seria uma espécie de populismo dos
condes em fazer isso?
De fato esses provérbios criavam uma
espécie de regulagem na vida das pessoas, tendo em vista que são baseados em
valores morais. Esses provérbios eram reproduzidos apenas oralmente, tendo em
vista que a população mais pobre não sabia escrever. Muitos deles estão
bastante ligados aos valores religiosos.
O fato de serem reguladores e terem
elementos religiosos pode nos levar ao questionamento sobre a origem real
desses ditados, ou seja, será que eles realmente vieram dos camponeses? Vejamos
esse trecho do mesmo autor:
“É preciso considerar, como
adverte Gomes (1974: p. 6), que uma análise dos provérbios revelará sempre as
suas estreitas relações com a cultura estabelecida e dominante, imposta por
grupos que detiveram por extensos períodos “as rédeas da cultura”. Deduz-se
então, que haveria provérbios que teriam uma origem culta, ou mesmo de origem
popular, podem ter sofrido alterações com a convivência com grupos eruditos.
Entretanto, os provérbios não são expressões idiomáticas, pois não pertencem a
um grupo social ou a uma determinada região”[2]
Aqui vemos aquela máxima de Marx “a
ideologia dominante nada mais é que a ideologia da classe dominante”[3], porém penso que se assim
fosse, digo, se os ditados tivessem na verdade origem culta não seria necessário
a compilação. Sim, talvez tivessem vários deles que sejam de origem culta, e
outros que foram moldados, o que parece mais possível, mas afirmar que esses
ditados nada mais eram que criações feitas para regular a massa me parece um
tanto pretensioso, é julgar como sendo a massa incapaz de produzir regras
sociais.
Vemos que muitos deles são de base
religiosa, como vemos no trecho a seguir:
“Independente de ser popular
ou culto, de ser freqüente no uso de determinados tipos de pessoas mais velhas,
o certo é que os provérbios são defendidos por Perestrello da Camara (1848: p.
VI), pois, atraem e se instauram na memória coletiva por serem, em muitos
casos, espirituais (“Deus dá nozes a quem não tem dentes”), conselheiros (“Não
deixes para amanhã o que podes fazer hoje”), e irracionais (“A mulher e a cachorra,
a que mais cala é a melhor”)”[4]
A questão é se foram criados pela
Igreja e divulgados para o povo ou se existia um interessa dela devido eles
representarem questões de fé. Penso que o povo não é impedido de reproduzir
valores religiosos devido não serem da elite ou do clero, vê a Igreja como mero
meio de dominação constitui um equívoco.
Esses provérbios, como disse a
autora, formam a identidade popular, tem um significado histórico, social e
espiritual. Suas origens, de fato, são uma questão que merece bastante atenção,
mas tentar usar axiomas marxistas para justificar uma tese não é prova-la,
penso que exista um circularidade e hibridismo nessa questão, onde tanto e cima
como em baixo vão se dando essas trocas, servindo para ambos e de maneiras
diferentes ou semelhantes dependendo do contexto.
Referência
http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/ARTIGO_REVISTA_LITTERIS10_Francivaldo_Nunes.pdf
DAVIES, Natalie Z. Cultura Popular, a sabedoria proverbial e os erros populares.
http://revistaliter.dominiotemporario.com/doc/ARTIGO_REVISTA_LITTERIS10_Francivaldo_Nunes.pdf
DAVIES, Natalie Z. Cultura Popular, a sabedoria proverbial e os erros populares.
[1] NUNES, Francivaldo Alves. OS PROVÉRBIOS EM COLETÂNEA DA LINGOA
PORTUGUEZA:
aspectos da sociedade
brasileira oitocentista. Revista Litteris.
[2]
Ibidem.
[3] MARX, Karl. A ideologia alemã.
[4] NUNES, Francivaldo Alves. OS PROVÉRBIOS EM COLETÂNEA DA LINGOA
PORTUGUEZA:
aspectos da sociedade
brasileira oitocentista. Revista Litteris.
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